quinta-feira, 18 de outubro de 2012


Currículo Oculto e Currículo Oficial
Sintonizando as salas de aula e o mundo exterior


Esqueçam as clássicas e tradicionais salas de aula. Carteiras enfileiradas geometricamente onde os estudantes se acomodam calmamente e ficam a espera de seus professores para que novas aulas sejam dadas. Alunos respeitosos e que trazem de suas casas recomendações expressas de bom comportamento e de máximo aproveitamento das oportunidades que lhes são oferecidas pela escola.
A clientela escolar mudou muito e não nos permite mais pensar o ambiente educacional sem observar o contexto global em que estamos inseridos. Olhar apenas para o próprio umbigo e tentar diagnosticar as causas da indisciplina, da falta de disposição dos estudantes, do marasmo do trabalho executado nas escolas e dos resultados pífios obtidos não vai nos levar a nenhuma solução eficiente e plena.
Pode-se mesmo pensar que a resposta para nossos problemas esteja muito distante e que talvez seja inatingível. Partindo-se de um diagnóstico tão impróprio quanto o que nos leva a tratar câncer com aspirina é realmente improvável que consigamos extirpar os nossos males...
Não podemos deixar de pensar que a educação está inserida em um amplo contexto social, político, econômico e cultural. Que ao abordarmos tal situação temos que perceber inferências provenientes não apenas das decisões governamentais locais ou nacionais, mas também as influências sofridas das transformações que acontecem em outras regiões do planeta e que aos poucos promovem mudanças em nosso cotidiano, em nossos hábitos e nas relações que estabelecemos com o mundo.

Pensamos em educação como as pessoas que querem entender as mudanças climáticas apenas em nível local, sem inserir nessa ampla e complexa questão situações como o efeito estufa, a camada de ozônio, a destruição das florestas tropicais ou a extinção de animais e vegetais.
Não podemos desprezar mudanças que têm acontecido no âmbito das comunicações como o surgimento da Internet, a ampliação das transmissões por satélite, as notícias que rapidamente cruzam as fronteiras e nos permitem saber o que se passa no Japão ou no Oriente Médio em questão de minutos.
Ignorar o avanço do neoliberalismo e a falência do sonho socialista; fechar os olhos para as disputas religiosas que abalam regiões do planeta; desprezar a rápida e portentosa ascensão da China no mercado mundial; ou ainda não se informar acerca dos grandes tratados internacionais que levaram a formação da União Européia nos levam a erros grosseiros e nos tornam míopes ou até mesmo cegos a questões relevantes que afetam o trabalho nas escolas.
O homem literalmente chegou a Lua, criou meios de transporte velocíssimos e eficientes, logrou transformações importantes nos setores produtivos e elevou consideravelmente sua capacidade de criar mercadorias. Essa mesma humanidade condenou milhares de pessoas à fome, ao abandono e aos descalabros da miséria. Guerras têm sido travadas em diferentes partes do mundo, doenças epidêmicas assolam os países desprovidos e a distribuição de riquezas é totalmente desigual e injusta entre as nações ricas e as pobres.

E como tudo isso se relaciona à escola?
Vivemos num país em desenvolvimento, pelo menos é o que nos dizem há algum tempo (desde que entrei nos bancos escolares escuto essa afirmação). Isso significa que há problemas sociais e desigualdade econômica. Não há guerras envolvendo o Brasil e outras nações, mas há soldados brasileiros em outras partes do mundo (como no Haiti). Vivemos algumas tensões internas que algumas vezes extrapolam os limites da racionalidade e se transformam em confrontos sangrentos (como no caso da questão agrária).
A fome é um flagelo que ronda permanentemente uma parcela significativa de famílias brasileiras. A destruição de florestas em território nacional é questão de interesse internacional e tema de debates em diferentes partes do mundo. Temos governos que não querem assumir seus posicionamentos neoliberais que, entretanto, seguem à risca as cartilhas do Banco Mundial e do FMI. Assistimos ao crescimento constante e avassalador do advento das novas tecnologias ao cotidiano de nossa população (vimos recentemente, por exemplo, que há no Brasil atual o dobro de celulares comparativamente as linhas de telefones fixos ou ainda que a Internet de banda larga já superou a de linhas discadas).
Já deu para perceber que tudo isso influencia a escola?
Ainda não? Então vamos um pouco além em nossas observações. Que tal lembrar, por exemplo, que a disponibilização mais rápida de informações e notícias pelo rádio, televisão, jornais diários ou internet atinge uma boa e considerável parcela dos estudantes que freqüentam nossas escolas.

Esses meios de comunicação são freqüentes companheiros de nossos estudantes e disponibilizam informações que afetam e sensibilizam o comportamento dessas crianças e jovens. E o que fazemos com esses dados e notícias? Desprezamos, ignoramos ou, por vezes, comentamos com brevidade entre uma aula e outra. Isso não consta do currículo e dos planos de aula, portanto representa perda de tempo precioso de nossas explanações e trabalhos. Esse é o pensamento da grande maioria dos professores...
Ao fazermos isso perdemos a sintonia que pretendemos estabelecer com os estudantes. Precisamos estabelecer relações entre o currículo oficial e o mundo que nos cerca e influencia constantemente. A influência da realidade no contexto educacional é muito maior do que podemos imaginar e constitui, de acordo com pesquisas conduzidas por especialistas em educação, o que pode ser chamado de currículo oculto.
Outro exemplo? Que tal pensarmos na economia e no neoliberalismo? A competição entre produtores internacionais e as conseqüências diretas no dia a dia dos estudantes é muito maior do que podemos imaginar. Vai desde as explicações acerca do desemprego dos pais até as justificativas quanto aos baixos salários oferecidos no mercado brasileiro ou a dificuldade para se obter o primeiro emprego.
E como conciliar o currículo oculto com o oficial?
O primeiro passo é manter-se atualizado em relação ao mundo que nos cerca. O segundo é colocar os neurônios para conseguir relacionar as notícias e informações obtidas aos planos e projetos de ensino. Isso significa que não podemos desprezar os currículos oficiais e sim modernizá-los criando elos que permitam a comunicação entre esses direcionadores de atuação da escola e a realidade em que vivemos. Outro aspecto fundamental é redimensionar nossa prática e questionar nossos caminhos, valores, posturas e até mesmo o nosso conhecimento (fazer novos cursos, entender as tecnologias e utilizá-las na educação, ler novos autores, reler os clássicos, assistir filmes, freqüentar teatros,...).
Criar canais de comunicação com os alunos. Escutar e aprender com os estudantes também é medida essencial. A escola ainda é deveras conservadora e antiquada nesse sentido. Criar relações de proximidade e permitir que os alunos se permitam uma nova compreensão da escola e da educação. Isso não significa abdicar da autoridade e do respeito que se fazem necessários nessa atuação profissional. Seriedade, trabalho, disciplina e responsabilidade são totalmente condizentes com diálogo, amizade e construção cooperativa de novos conhecimentos. Todos ganham com isso, ninguém perde.
Para completar nossa conversa de hoje, não podemos deixar de mencionar a necessidade da criatividade e do amor à profissão. Criatividade que dá o tom e o tempero, que estimula e convence, que atrai e estabelece o interesse na educação. Amor que nos faz vencer as adversidades, os pessimismos e as pequenas derrotas do cotidiano para que possamos chegar ao triunfo e as realizações...









Currículo oculto

O currículo oculto nas escolas serve para reforçar as regras que cercam a natureza e o uso dos conflitos. E estabelece uma rede de suposições que visa determinar regras sobre a conduta dos estudantes.
Esse processo é uma maneira bastante tímida de trabalhar conceitos transversais para a formação global do aluno, uma vez que tais intervenções acontecem, geralmente, sem que estejam deliberadamente sistematizadas ou incluídas nas disciplinas.
Em um currículo oculto, as suposições em sala de aula não podem ser planejadas, pelo próprio fato de serem tácitas e incidentais. Dessa maneira, um tema importante ou um assunto de interesse fica sujeito a um acontecimento para vir à tona.
Em tempo, a escola deve ter condições de constituir a educação por meio de estratégias pedagógicas que visam à capacidade de antecipar ações, de eleger continuamente metas a partir de um quadro de valores historicamente situado, e de se lançar em busca das mesmas. E, nesse sentido, instaurar a democracia e os debates na sala de aula e em toda a escola, para a transformação de uma comunidade democrática.
Sendo assim, os professores devem estar preparados para trabalhar com temáticas em aula. E o coordenador pedagógico, na sua função de formador, é incitado a elucidar o entendimento sobre tais questões.
Conforme revela Perrenoud (2005), “a abordagem a partir do currículo real e da experiência de vida tem consequências enormes quanto ao papel do professor”, pois, “se ensinamos o ‘que somos’, segundo uma fórmula que convém tanto à educação quanto à sociedade, o primeiro recurso da escola seria o grau de cidadania dos professores”.
Dessa forma, o avanço escolar de um currículo pode ser construído com base nos interesses dos alunos e da comunidade escolar e acontecerá por meio do diálogo, da problematização do contexto real e da provocação da consciência crítica dos envolvidos de forma explícita, tanto nas propostas escolares quanto nas práticas em sala de aula.
Eliane da Costa Bruini
Colaboradora Brasil Escola
Graduada em Pedagogia
Pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL